Retomando uma longa tradição ascética, formada por autores como Evágrio Pôntico, São João Cassiano e São João Damasceno, Santo Tomás de Aquino define a acídia (ακηδία, em grego) como um tipo de tristeza. Esta é a reação do ser humano ao mal presente [1]. O que especifica a acídia é que se trata de "uma tristeza proveniente de um bem espiritual" [2]. A pessoa acometida por essa doença interpreta o bem que Deus tem para ela como um mal e, por isso, fica triste.
Mas, o que Deus tem para o ser humano? Ora, o homem foi colocado na Terra para amar – não o simples amor natural, entre homem e mulher, mas a caridade, o amor divino. Para que essa criatura miserável, marcada pelo pecado original, possa amar a Deus, no entanto, é preciso que Este venha, com Sua graça, transformá-lo, matar o "homem velho" e fazer surgir um novo homem, ressuscitado e capaz da experiência do amor sobrenatural. Essa é a vocação do ser humano e a única forma que ele tem de encontrar a plena felicidade.
O acidioso, porém, vê tudo isso como um mal. Ao contemplar a santidade, que é o grande chamado de Deus para a sua vida, ele se entristece. O relato de Santo Agostinho, antes de decidir-se de vez por sua conversão, ilustra bem esse comportamento: "Mantinham-me preso umas tantas bagatelas, umas vaidades de vaidades, antigas amigas minhas, que me puxavam por minhas vestes carnais, murmurando: 'Então, nos abandonas? De agora em diante nunca mais estaremos contigo? Desde este momento nunca mais te será lícito isto ou aquilo?'" [3]. Apodera-se, então, da pessoa uma tristeza profunda, que tem dois efeitos:
- O ressentimento com Deus – que seria visto como uma espécie de "desmancha-prazeres";
- Uma inquietação, que pode se traduzir tanto em morosidade quanto em um malfadado "ativismo", no qual a pessoa se enche de afazeres só para fugir de seus deveres, mormente os espirituais. Ela faz um monte de coisas só para não fazer aquela coisa, que é rezar e amar a Deus. No vício da pornografia, ela vai abrindo páginas e mais páginas, gastando o tempo que tinha para amar a Deus em futilidades e ninharias.
O povo de Israel perambulando por quarenta anos no deserto é uma imagem muito apropriada da doença espiritual da acídia. Depois de serem libertos da escravidão do Egito, os israelitas chegaram bem depressa às portas da Terra Prometida. Por medo e covardia, no entanto, não quiseram atravessar e conquistar a terra que Deus tinha preparado para eles: "O povo que vive nessa terra é muito forte. As cidades são fortificadas e enormes. (...) Não podemos enfrentar esse povo, porque é mais forte do que nós" ( Nm 13, 28.31). Ao contrário, até começaram a planejar uma volta para o Egito: "Por que nos leva o Senhor para esta terra? A fim de cairmos ao fio da espada, e para que nossas mulheres e nossos filhos sejam reduzidos ao cativeiro? (...) Vamos escolher um chefe e voltar para o Egito" (Nm 14, 3-4). Como castigo por sua infidelidade, o Senhor entregou-os às suas vontades e deixou que ficassem quarenta anos no deserto: "Não entrarão no meu repouso prometido" (Sl 94, 11; cf. Nm 14, 20-38).
O acidioso, como o povo de Israel, tem a Terra Prometida diante de si, mas não quer entrar. Ele vê o grande projeto para o qual é chamado – a santidade –, mas resiste em dar o passo do amor. Por isso, fica perambulando no deserto, de clique em clique, de pecado em pecado, sem avançar. Muitas pessoas não largam o vício da pornografia porque, ainda que reconheçam a sua maldade e queiram sair, não estão dispostas a pagar o preço de sua escolha. Estão sempre negociando com Deus: ao invés de deixar tudo e progredir na vida espiritual, querem manter um pouco do homem velho, desfrutando de alguns "prazerzinhos" aqui e acolá.
Outra imagem bíblica que reflete essa tristeza espiritual é a da mulher de Lot. Deus separa Lot, sua mulher e suas duas filhas para escapar da destruição de Sodoma e Gomorra, faz eles saírem do lugar, mas "a mulher de Lot", com saudades da miséria, "olhou para trás e tornou-se uma estátua de sal" ( Gn 19, 26). O acidioso está a todo momento olhando para trás, para a sua vida passada, sem querer seguir decididamente o projeto de santidade e tomar de assalto a própria vida espiritual.
Como indica Nosso Senhor, "o Reino dos céus é dos violentos" ( Mt 11, 12). Para sair da pornografia, a pessoa não se pode contentar com um ideal baixo, com simplesmente "ser boazinha". Essa atitude mesquinha torna muito mais árduo o caminho da restauração. O povo de Israel, por exemplo, quando estava no deserto, começou a sentir saudades do Egito: "Estamos lembrados dos peixes que comíamos de graça no Egito, dos pepinos, melões, verduras, cebolas e alhos!" (Nm 11, 5). Do mesmo modo, quando se sai do pecado da pornografia e da masturbação e se entra na fase da abstinência, alguém pode se sentir tentado a recordar as "cebolas e alhos" que ganhava na escravidão. Sem "fome e sede de justiça" – a bem-aventurança que, com razão, é apontada como oposta da acídia (cf. Mt 5, 6) –, é muito fácil voltar atrás e desistir de tudo. É preciso, pois, querer, com determinação, que Deus aja em si e o transforme interiormente em um novo homem.
Rebecca DeYoung aponta mui claramente que, para Santo Tomás, o problema do acidioso – e a pornografia se encaixa perfeitamente neste exemplo – é buscar uma alternativa de amor em que não se tem que pagar o preço da aliança. O adicto só quer usar e ser usado. Por isso, é uma grande erro associar o sexo desregrado ao amor. Amar, a nível humano, é contrariar-se por causa do outro, e, a nível sobrenatural, é deixar-se modelar por Deus, purificando-se até o sacrifício de si mesmo. Afinal, " sine effusione sanguinis non fit redemptio – sem derramamento de sangue, não há redenção".
Muito mais do que a luxúria, então, o mal que acomete quem se entrega à pornografia e à masturbação chama-se acídia. A tristeza e inquietação de quem vive no pecado são um sinal de que o homem foi feito para Deus e inquieto está o seu coração enquanto não repousar n'Ele [4].
Fonte: https://padrepauloricardo.org/aulas/os-efeitos-na-alma
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