Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal
Tradução: Jéssica Marçal
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
No percurso de catequeses sobre família, hoje tomamos inspiração diretamente do episódio narrado pelo evangelista Lucas, que escutamos há pouco (cfr Lc 7, 11-15). É uma cena muito comovente, que nos mostra a compaixão de Jesus por quem sofre – neste caso uma viúva que perdeu o único filho – e nos mostra também o poder de Jesus sobre a morte.
A morte é uma experiência que diz respeito a todas as famílias, sem exceção alguma. Faz parte da vida; no entanto, quando toca os afetos familiares, a morte nunca consegue parecer natural. Para os pais, perder o próprio filho é algo particularmente desolador, que contradiz a natureza elementar das relações que dão sentido à própria família. A perda de um filho ou de uma filha é como se o tempo parasse: abre-se um buraco que engole o passado e também o futuro. A morte, que leva o filho pequeno ou jovem, é um tapa nas promessas, nos dons e sacrifícios de amor alegremente entregues à vida que fizemos nascer. Tantas vezes vêm à Missa na Casa Santa Marta pais com a foto de um filho, de uma filha, criança, rapaz, moça, e me dizem: “Foi embora, foi embora”. E o olhar é tão doloroso. A morte toca e quando é um filho toca profundamente. Toda a família permanece meio que paralisada, sem palavras. E algo de similar atinge também a criança que permanece sozinha, pela perda de um pai, ou de ambos. Aquela pergunta: “Mas onde está o papai? Onde está a mamãe? – “Está no céu” – “Mas porque eu não o vejo?”. Esta pergunta abrange uma angústia no coração da criança que fica sozinha. O vazio do abandono que se abre dentro dela é mais angustiante pelo fato de que não tem nem ao menos experiência suficiente para “dar um nome” àquilo que aconteceu. “Quando o papai vai voltar? Quando a mamãe vai voltar?”. O que responder quando a criança sofre? Assim é a morte em família.
Nestes casos, a morte é como um buraco negro que se abre na vida da família e ao qual não sabemos dar explicação alguma. E às vezes se chega até mesmo a colocar a culpa em Deus. Quanta gente – eu as entendo – fica com raiva de Deus, blasfema: “Por que me tirou o filho, a filha? Mas, Deus não existe, não existe! Por que fez isso?”. Tantas vezes ouvimos isso. Mas esta raiva é um pouco aquilo que vem do coração, da grande dor; a perda de um filho ou de uma filha, do pai ou da mãe, é uma grande dor. Isso acontece continuamente nas famílias. Nestes casos, disse, a morte é quase como um buraco. Mas a morte física tem seus “cúmplices” que são também muitas vezes piores que ela e que se chamam ódio, inveja, orgulho, avareza; em resumo, o pecado do mundo que trabalha pela morte e a torna ainda mais dolorosa e injusta. Os afetos familiares aparecem como as vítimas predestinadas e indefesas destes auxiliares poderosos da morte, que acompanham a história do homem. Pensemos na absurda “normalidade” com a qual, em certos momentos e lugares, os eventos que acrescentam horror à morte são provocados pelo ódio e pela indiferença de outros seres humanos. O Senhor nos liberte de nos acostumarmos a isso!
No povo de Deus, com a graça da sua compaixão dada em Jesus, tantas famílias demonstram com os fatos que a morte não tem a última palavra: isto é um verdadeiro ato de fé. Todas as vezes que a família no luto – mesmo terrível – encontra a força de proteger a fé e o amor que nos unem àqueles que amamos, essa impede já agora a morte de pegar tudo. A escuridão da morte deve ser enfrentada com um mais intenso trabalho de amor. “Deus meu, clareia as minhas trevas!”, é a invocação da liturgia da noite. Na luz da Ressurreição do Senhor, que não abandona ninguém daqueles que o Pai lhe confiou, nós podemos tirar da morte o seu “ferrão”, como dizia o apóstolo Paulo (1 Cor 15, 55); podemos impedi-la de envenenar a vida, de estragar os nossos afetos, de fazer-nos cair no vazio mais escuro.
Nesta fé, podemos nos consolar uns aos outros, sabendo que o Senhor venceu a morte de uma vez por todas. Os nossos entes queridos não desapareceram na escuridão do nada: a esperança nos assegura que eles estão nas mãos boas e fortes de Deus. O amor é mais forte que a morte. Por isso, o caminho é fazer crescer o amor, tornando-o mais sólido e amor nos protegerá até o dia em que toda lágrima será enxugada, quando “não haverá mais a morte, nem lamentação, nem dor” (Ap 21, 4). Se nos deixamos apoiar por esta fé, a experiência do luto pode gerar uma solidariedade mais forte dos laços familiares, uma nova abertura à dor das outras famílias, uma nova fraternidade com as famílias que nascem e renascem na esperança. Nascer e renascer na esperança, isso nos dá a fé. Mas eu gostaria de destacar uma última frase do Evangelho que hoje ouvimos (cfr Lc 7, 11-15). Depois que Jesus torna a trazer a vida a este jovem, filho da mãe que era viúva, diz o Evangelho: “Jesus o restitui à sua mãe”. E essa é a nossa esperança! Todos os nossos entes queridos que se foram, o Senhor os restituirá a nós e nós nos encontraremos junto a eles. Esta esperança não desilude! Recordemos bem esse gesto de Jesus: “E Jesus o restitui à sua mãe”, assim fará o Senhor com todos os nossos queridos na família!
Esta fé nos protege da visão niilista da morte, bem como das falsas consolações do mundo, de forma que a vida cristã “não arrisca se misturar com mitologias de vários tipos”, cedendo aos ritos da superstição, antiga ou moderna” (Bento XVI, Angelus de 2 de novembro de 2008). Hoje é necessário que os pastores e todos os cristãos exprimam de modo mais concreto o sentido da fé nos confrontos da experiência familiar do luto. Não se deve negar o direito ao pranto – devemos chorar no luto – também Jesus “caiu em pranto” e foi “profundamente perturbado” pelo grave luto de uma família que amava (J0 11, 33-37). Podemos, em vez disso, tirar testemunho bastante simples e forte de tantas famílias que souberam colher, na duríssima passagem da morte, também a segura passagem do Senhor, crucificado e ressuscitado, com a sua irrevogável promessa de ressurreição dos mortos. O trabalho do amor de Deus é mais forte que o trabalho da morte. É daquele amor, é próprio daquele amor que devemos fazer-nos “cúmplices” operários, com a nossa fé! E recordemos aquele gesto de Jesus: “E Jesus o restituiu à sua mãe”, assim fará com todos os nossos entes queridos e conosco quando nos encontraremos, quando a morte será definitivamente derrotada em nós. Essa é a derrota da cruz de Jesus. Jesus nos restituirá em família a todos!
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